Mais conhecido por seus romances, Eça de Queirós revela outros aspectos de sua prosa em duas outras modalidades literárias: a prosa jornalística e o conto. Neste último, ele permite-se emancipar-se dos rigores do romance realista, como no conto Um Poeta Lírico pertencente ao volume Prosas Bárbaras e que narra história de Korriscosso, um poeta grego entristecido devido à condição em que vive na Inglaterra.
O encontro entre ele e o narrador dá-se num hotel londrino, após uma viagem exaustiva pelo canal da Mancha, vindo do continente, feita por aquele. Costumava ser visto em pé junto a uma janela, solitário, com ar melancólico, olhar parado, embraçando um guardanapo no restaurante do hotel. As descrições longas do narrador sobre o moço são, por vezes, carregadas de metáforas originais que dão grande ênfase à apresentação ao leitor, sobretudo na caracterização da magreza, da aparência esguia e apática de Korriscosso.
Apesar do interesse inicial que o jovem lhe desperta, os cuidados da estadia e as necessidades de viagem tratam de fazer esmaecer a lembrança havida pelo poeta. Tal interesse renasce, entretanto, quando da volta do narrador a Londres e este depara um amigo de anos, Brancolletti, um gordo bonacheirão e de sorriso cativante, porém com vezos de pedófilo, pois é singularmente guloso de rapariguinhas de doze a catorze anos, de preferência louras e impudicas com a palavras.
Este amigo foi quem lhe contou sobre o poeta, pois, como veio a saber posteriormente, exigindo-lhe confidências que satisfizessem sua curiosidade, Brancolletti e o gajo eram amigos e tinham ambos viajado a Europa a trabalho. A revelação de que era grego, entretanto, a princípio o desanima, haja vista uma voga preconceituosa abonar o juízo generalizante de ser o grego um gatuno. Assim, por causa dessa malhada reputação de malandro e verificado o fato de que um livro do autor havia desaparecido do quarto, aquiesceu rapidamente este com a moda difamatória e o considerando-o um bandido.
Nessa noite, por causa do grande movimento no hotel e também devido ao feitio complexo de sua instalação, o narrador perde-se e erra pelos caminhos feitos de corredores, escadas e salas os mais variados. Finalmente, depara um quarto onde acha o poeta debruçado sobre um mesa coberta de papéis, um colarinho e rosário e, entre eles, seu livro que fora espoliado do quarto.
Procedendo com esmerada misericórdia, o autor observa marcas que denunciam o gosto poético do jovem e, da conversa entretida, surge uma simpática atmosfera de confraternização entre eles, ambos poetas e, portanto, irmanados. Daí em diante, Korriscosso conta-lhe sua história entremeada de lacunas: formado em leis e compondo suas primeiras elegias num semanário lírico, aparecem-lhe ocasiões para realizar-se na vida política. Viajou muito, enamorou-se e, num momento em que fora indicado para trabalhar numa alta administração, é rejeitado e refugia-se na Inglaterra.
Nesse país, padece a solidão e o prosaísmo vilão do capitalismo que lhe tira tempo para o trabalho com o espírito. Vive, assim, dias atribulados, quando tem que conviver com a glutonaria e a folgança burguesa no restaurante. Trabalhar derrogatoriamente para atender à baixa necessidade material das elites, enquanto essas se refestelam no seu leito de ninharias, é uma indignidade que sua alma tocada pela sutileza artística, pelo instinto do som, da rima, pelo efeito do drama, não pode suportar.
3 comentários:
Análise refinada!!!!
Gostaria na verdade, de pedir um auxílio. Estou tentando descobrir se o Conto No Moinho, também do Eça, foi escrito antes ou depois de O Primo Basílio. Sei que sua publicação foi posterior, mas tenho dúvidas de quando escreveu o manuscrito, já que este parece ser um "ante-projeto" do romance mencionado.
Não encontro em fonte alguma. Se por acaso souberes, agradeço que me responda para o email redatora@terra.com.br
obrigada,
Carolina
Adorei, o resumo bem detalhado e com uma análise bem redigida que aborda todo o tema . parabéns voces conseguiram sanar minhas dúvidas
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